Os episódios de corrupção no Brasil emendam-se uns nos outros, em
uma inflação de imoralidade
Até os pequenos intervalos estão extintos. Os episódios de corrupção
emendam-se uns nos outros, em uma inflação de imoralidade com a qual o país
convive, e à qual se adapta, como peça natural dos seus costumes, tal como fez
com as décadas de inflação monetária. Havia, então, o sentimento abafado de que
se vivia uma situação a caminho do seu limite. E agora: até onde e até quando
seguirá a degradação que se espraiou pelo país todo? A tendência histórica é
alguma forma de estouro.
A dimensão de escândalo está reservada aos episódios gerados por Brasília. Em
parte, por motivos políticos; em parte, por estar cada vez mais reduzida, nesta
fase dos meios de comunicação, a sua função informativa. Mas, com variações de
grau decorrentes, sobretudo, das circunstâncias locais, os episódios da
degradação multiplicam-se pelo país todo, em escândalos proporcionais ao seu
meio.
Os escândalos, porém, vão ficando menos escandalosos. O caso que envolve
Carlinhos Cachoeira com o senador Demóstenes Torres e um montante ainda
impreciso de congressistas, e portanto com o Congresso; mais governantes de
Goiás e do próprio Distrito Federal, empresas, empresários e bilhões de dinheiro
público, com tudo isso só tem provocado piadinhas. Vá lá, e algum espanto,
creditável ao senador Demóstenes. Indignação, nenhuma.
O que aconteceu no primeiro ano de mandato de Dilma Rousseff dispensaria
qualquer outro exemplo para caracterizar a situação. Seis ministros,
representantes de partidos componentes do Congresso Nacional, tiveram que ser
destituídos já nos primeiros meses do governo, a bem da moralidade
administrativa. Foram-se, e pronto. Tudo ficou como se não significasse coisa
alguma. E não merecesse nem um tempinho de reflexão ou debate, sobre suas causas
e sentidos, por uns quantos doutores, cientistas, professores, intelectuais.
"É a impunidade, eles sabem que ficarão impunes, é preciso acabar com a
impunidade" -aí está a explicação geral. Automática. Definitiva. E vazia. Não, a
impunidade não é causa. É parte suplementar da degradação, associada à corrupção
mesma -a qual, aliás, veio antes da impunidade, que lhe deu seguimento, uma
extensão com a mesma origem, a mesma função e o mesmo propósito.
Até onde irá o colar de episódios escabrosos que se estende e ramifica, em
uma ocupação sem resistências? Até quando o dinheiro público será saqueado pela
pirataria das obras, das compras, dos contratos de serviço? Em vez de servir às
necessidades da população que o proporcionou aos cofres oficiais.
Até onde, até quando.
(Fonte: Jânio de Freitas - Folha de S. Paulo - 24/4/12)
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